Características dos Buracos Negros

Os buracos negros e suas características físicas intrigantes!


Um buraco negro não é uma estrela, como visto anteriormente no texto sobre Evolução Estelar, mas pode ser um remanescente de estrela, um dos possíveis estágios finais de uma estrela de grande massa, sendo então denominado “buraco negro estelar”. Conforme também já vimos no texto sobre Galáxias, há evidências da existência de buracos negros com massa de milhões ou bilhões de massas solares localizados no centro de grandes galáxias, como a nossa, a Via Láctea, denominados “buracos negros supermassivos”. Buscando conceituar, de maneira resumida, o que é um buraco negro, podemos dizer que ele é um objeto compacto, superdenso, que produz um fortíssimo campo gravitacional e uma enorme deformação no espaço-tempo à sua volta, que não possui superfície, mas é delimitado por um horizonte de eventos, que é um ponto de não retorno, a partir do qual é possível a entrada, mas não a saída de luz e matéria.

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Fig.1 - Impressão artística das imediações de um buraco negro supermassivo com um núcleo ativo. Assim como em um tornado onde detritos são frequentemente encontrados girando em torno do vórtice, também em um buraco negro um disco de matéria marca as suas imediações.

Os buracos negros são uma parte importante do nosso ecossistema cósmico, mesmo sendo identificados na maioria das vezes como devoradores de estrelas e de intrépidos astronautas que ultrapassam seus limites, quanto mais aprendemos sobre eles, mais parece que devemos ficar felizes por estarem por “perto”. Por exemplo, os buracos negros supermassivos ajudam a manter a estrutura e a estabilidade das galáxias.

De fato, qualquer coisa que ultrapasse os limites de um buraco negro desaparece para sempre! Por isso não podemos vê-lo. Mas a verdade é que apenas uma parte da matéria próxima de um buraco negro é puxada para o seu interior, grande parte fica em seu entorno e só aos poucos vai entrando em seu interior, como a água quando forma um vórtice ou um redemoinho. A água nunca desce direto pelo ralo. O mesmo ocorre com o gás e a poeira que circunda um buraco negro. Se a matéria circundante não perder rotação, ela entrará em órbita em forma de disco ao redor do buraco negro, o chamado disco de acreção, a parte acinzentada da figura acima.

Mas o que acontece com a matéria que cai em um buraco negro? Essa pergunta pode ser melhor respondida no contexto da relatividade geral, mas podemos dizer que a matéria que cai ao redor do buraco negro nunca pode alcançar o próprio buraco negro, a menos que perca momento angular (rotação). Na verdade, parte da matéria que cai é expelida antes de alcançar o próprio buraco negro. Recentemente, ao observarem uma região localizada no centro da Via Láctea, denominada Sagitário A* - que é uma fonte intensa e compacta de ondas de rádio e na qual, fortes evidências indicam, existe um buraco negro supermassivo -, astrônomos perceberam a emissão de um brilho intenso, 75 vezes mais brilhante que o normal. Quando um buraco negro brilha tão intensamente assim, é o sinal de que algo pode ter chegado perto o suficiente para ser agarrado por seu forte campo gravitacional. Os buracos negros não apenas absorvem matéria, mas também, antes desta atingir o ponto de não retorno - o chamado “horizonte de eventos” -, emitem parte dela na forma de radiação. Essa matéria é expulsa pelos pólos em forma de jatos a velocidades enormes, próximas à da luz.

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Fig.2 - Jato de matéria emitido do centro da galáxia M87, a uma velocidade próxima a da luz.

Essa ejeção de matéria pode provocar alguns efeitos adversos, principalmente no caso de buracos negros supermassivos, situados no centro de galáxias, que podem interromper o crescimento das galáxias em que se situam, pois a ejeção pode parar o fluxo de gás em direção ao centro da galáxia.

Na simulação abaixo, temos o exemplo de um buraco negro supermassivo. A simulação mostra um buraco negro rodeado por matéria luminosa. Essa matéria desaparece no buraco negro, que atua como um vórtice, mas durante a queda em espiral em direção ao buraco negro, devido ao seu imenso campo gravitacional, grande quantidade de energia potencial gravitacional é transformada em energia térmica, aumentando a temperatura desta matéria, tornando-a um plasma brilhante que emite muita energia, inclusive na forma de raios X.

Vídeo 1 - Simulação de um buraco negro rodeado por matéria luminosa, que desaparece a medida que se aproxima do buraco negro.

Como encontrar um buraco negro?

As seguintes características podem determinar se um objeto cósmico pode ser ou não um buraco negro: Um sistema binário de estrelas onde somente uma das estrelas é visível, ou se um objeto atingir uma densidade muito grande a ponto de colapsar. No caso de sistemas binários, pode acontecer que uma das estrelas tenha um brilho muito fraco como uma anã branca e que sua companheira seja muito brilhante, ofuscando e escondendo a primeira. Logo, ser invisível não é suficiente, devemos ainda avaliar sua massa. É possível usar a terceira lei de Kepler e a órbita da estrela visível (no caso de um sistema binário ou múltiplos), para detectar a massa do objeto invisível candidato a buraco negro. Se a massa for maior que 3 $M_{Sol}$ é muito provável que esse objeto seja um buraco negro. Como vimos no texto sobre Galáxias, esse foi o método usado para determinar a massa do buraco negro supermassivo, Sagitário A*, no centro da Via Láctea, a partir das órbitas de estrelas ao seu redor.

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Fig.3 - Região do buraco negro de Cygnus X-1, localizado em uma das grandes regiões ativas de formação de estrela no disco da Via Láctea. Na imagem temos uma concepção artística desse buraco negro puxando matéria de uma estrela gigante azul que é sua companheira.

O primeiro objeto a ser identificado como um buraco negro foi um sistema binário de estrelas a cerca de 6.000 anos-luz, na constelação do Cisne, chamado Cygnus X-1 (o da figura 3 acima). Observações astronômicas, desde 1964, mostravam uma estrela azul supergigante orbitando um objeto compacto invisível com uma massa de cerca de 15 vezes a do Sol. Portanto, o companheiro invisível tinha muita massa para ser uma anã branca ou uma estrela de nêutrons. O buraco negro de Cygnus X-1 tem um raio de 44 km e está rodeado por um fino disco de matéria que se estende de forma concêntrica por quase 15 mil km.

Recentemente em abril de 2019 foi divulgada a imagem de um buraco negro na constelação de Virgem a 53 milhões de anos-luz da Terra, no centro de uma galáxia elíptica chamada de Messier 87 (M87), uma das mais massivas do Universo. A imagem foi obtida por meio de um consórcio chamado EHT (Event Horizon Telescope), formado por uma rede global de radiotelescópios, com oito telescópios nos quatro continentes, que transformaram o planeta Terra em um grande detector. Este consórcio conseguiu acumular dados suficientes durante dois anos para formar a imagem do buraco negro desta galáxia. É uma galáxia dominante em seu aglomerado de galáxias, se destacando através de um jato de matéria que se estende por mais de 5.000 anos-luz (Fig.2), emitindo intensa radiação, sinal de um buraco negro ativo.

A galáxia M87 possui mais que o dobro do diâmetro da Via Láctea, aproximadamente 240 mil anos-luz. É uma das galáxias mais massivas do Universo, com cerca de 200 vezes a massa da Via láctea, porém ela está 2.000 vezes mais distante do que o centro da Via láctea. Então, qual a razão para a galáxia M87 ter sido escolhida para a primeira imagem de um buraco negro? O motivo, apesar de simples, tem influência de uma série de fatores, mas basicamente é o tamanho do horizonte de eventos do buraco negro da galáxia M87, que é cerca de 20 bilhões de km, enquanto o de Sagitário A* é de 44 milhões de km. Isso influência diretamente no tamanho angular da região central da galáxia, para quem as observa aqui da Terra. Quando comparados, o tamanho angular de Sagitário A* é 1.6 vezes menor que o do buraco negro da galáxia M87. Na simulação abaixo vemos detalhes da imagem produzida, e uma comparação do tamanho deste buraco negro em relação ao sistema solar.

Vídeo 2 - Galáxia M 87 com imagens no visível e em raios-X.

Características físicas dos buracos negros

Já sabemos como que os buracos negros surgem, tanto os estelares quanto os supermassivos, agora vamos descobrir um pouco sobre a estrutura desses objetos. De imediato podemos definir que um buraco negro é formado por um disco de acreção, um horizonte de eventos com limites bem definidos e um raio específico, uma esfera de fótons e uma singularidade.

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Fig.4 - Imagem da estrutura de um buraco negro de Schwarzschild.

Começando pelo disco de acreção, ou de acréscimo, é uma parte do entorno do buraco negro que existe quando há matéria que foi capturada pela gravidade do buraco negro e está orbitando em torno dele. Se trata de um disco plano composto de gás e poeira, cuja visão pode ser distorcida por um efeito de lente gravitacional produzido pela forte gravidade do buraco negro, que, como uma lente, desvia a trajetória dos raios de luz, permitindo ver a parte do disco que está atrás do buraco negro (Fig. 4). O disco de acreção se encontra em movimento orbital, seguindo uma trajetória em espiral em torno do buraco negro, até ser absorvido por ele. O gás da parte interna do disco, devido à forte gravidade do buraco negro, o orbita com velocidades muito altas, convertendo energia potencial gravitacional em energia cinética e esta em energia térmica, devido ao atrito com outras partículas, aquecendo o disco interno a temperaturas que podem chegar a milhões de kelvins, nas quais emite grande quantidade de energia na forma de radiação eletromagnética, inclusive raios X, como é o caso de Cygnus X-1, que pode ser detectada por telescópios.

Depois, temos o horizonte de eventos, um limite do espaço-tempo a partir do qual a matéria e a luz só podem passar para dentro do buraco negro, não há como escapar! É também conhecido como ponto de não retorno, tudo que o cruza nunca mais é visto, o espaço-tempo se acha tão distorcido que não há mais trajetória possível para fora do buraco negro, nem mesmo para a luz! Seu nome é bem sugestivo, assim como os objetos desaparecem de nossa vista abaixo do nosso horizonte na Terra, qualquer coisa que ocorra dentro do horizonte de eventos não pode mais interagir com o resto do Universo. A deformação do espaço-tempo já é tão intensa na região próxima ao horizonte de eventos, mas antes de alcançá-lo, que o tempo, para qualquer evento que ocorra nesta região, já passa mais devagar em comparação com o tempo de quem o observa à distância. Para um observador externo, um objeto em queda em direção a um buraco negro levará um tempo infinito para alcançar o buraco negro. Porém, um observador indestrutível que caia em direção ao buraco negro, não notará nenhum diferença na passagem de seu tempo, para ele o tempo de eventos que ocorram distantes do buraco negro é que estará passando mais rápido, conforme previsto pela Teoria da Relatividade.

Ainda temos a esfera de fótons e/ou anel de fótons, é uma esfera de luz composta por múltiplas imagens distorcidas do disco. A luz que compõem essas imagens orbitou o buraco negro duas, três ou mais vezes antes de escapar para o observador.

E por fim a singularidade gravitacional, a região onde a curvatura do espaço-tempo é infinita, possuindo volume zero e contendo toda massa do buraco negro, e portanto uma densidade infinita. Ao atingir a singularidade, o objeto é esmagado pela densidade infinita e adicionado à massa do buraco negro. Uma vez que se cruza o horizonte de eventos tudo vai para a singularidade.

No caso de um buraco negro que não apresente rotação nem carga elétrica, denominado de “buraco negro de Schwarzschild” - homenagem a Karl Schwarzschild, o primeiro a obter soluções exatas das equações da Relatividade Geral de Einstein - é possível determinar o raio de seu horizonte de eventos, também chamado de raio de Schwarzschild, aplicando o conceito de velocidade de escape ($v_e$): para que um dado objeto consiga escapar da atração gravitacional de um astro (planeta ou estrela) é necessário que sua energia total, que é a soma de sua energia cinética ($E_c$) com sua energia potencial gravitacional ($U_g$), seja nula, e que, portanto, o valor de sua energia cinética seja igual ao módulo de sua energia potencial gravitacional, ou seja:

$$\frac{1}{2}mv² = \frac{GMm}{R}$$

Onde R é o raio da estrela ou planeta e M é massa dessa estrela ou desse planeta. Se isolarmos v, vamos obter $v_e$ que é a velocidade de escape:

$$v_e = \sqrt{\frac{2MG}{R}}$$

Para um buraco negro, a distância R a partir da qual nem a luz conseguiria escapar, que seria o seu raio de Schwarzschild, corresponderia à distância $r_S$ na qual a velocidade de escape $v_e$ seria a própria velocidade da luz c. Fazendo então $v_e = c$ e $R = r_S$ na equação anterior e isolando $r_S$, obtemos:

$$r_S = \frac{2GM}{c^2}$$

Esse é o raio limite, a partir do qual a luz consegue escapar de um buraco negro de Schwarzschild com velocidade c. Mesmo assim, quando a luz escapa de um buraco negro a partir de uma região próxima, mas antes do seu horizonte de eventos, ela sofre um desvio para o vermelho devido ao forte efeito da gravidade, ou seja, a luz visível que foge do buraco negro é avermelhada, depois que ela percorre uma trajetória curva nos limites do horizonte de eventos, apresenta uma frequência menor (na simulação abaixo, essa parte seria o anel de fótons).

Vídeo 3 - O video simula um observador distante, olhando acima do plano do disco de acreção - a parte avermelhada circundante. Em torno do buraco negro central, pode ser observada uma fina circunferência separada do disco de acreção, marcando a posição da esfera de fótons, dentro da qual fica o horizonte de eventos. A parte que fica mais brilhante a esquerda (parte mais avermelhada), se deve ao fato de estar mais próxima do observador, e circulando em sua direção. Conforme a simulação continua, é possível visualizar por cima do buraco negro e por baixo, passando pelo plano do disco no lado oposto e retornando ao ponto de vista original.


Referências